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Quando Ser, é Ser Reconhecido. O Vínculo deve crescer antes da palavra - O Nascimento da Nossa Saúde Mental.

Falar ou comunicar sobre saúde mental não é fácil. Quando alguém aborda o tema saúde mental, muitas vezes pensa-se imediato em diagnósticos, sintomas ou doenças. Reduzimos a saúde mental à ausência de sofrimento visível ou à capacidade de funcionar no dia a dia. Mas a saúde mental é mais complexa, mais profunda, mais difícil de nomear – Não é apenas não estar doente, é algo que se constrói e reconstrói no tear relacional e no silêncio das nossas relações, na forma como habitamos a vida e atribuímos sentido às experiências que nos ocorrem.


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No interior do corpo humano pulsa um cérebro, repleto de neurónios, sinapses e circuitos que comunicam entre si, numa dança incessante de impulsos elétricos e químicos. Mas é a partir dessa base biológica que nasce algo maior: a mente. A mente não é um órgão isolado, não se deixa reduzir à anatomia ou à fisiologia. É um espaço vivo de encontros, onde o biológico se transforma em experiência, onde memórias, afetos e palavras se entrelaçam criando vínculos. É neste território invisível que nos tornamos humanos — simultaneamente corpo e linguagem, matéria e sentido –, onde nos reconhecemos a nós próprios e aos outros.



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Cada ser humano nasce num mundo já habitado por vozes, silêncios, desejos e frustrações dos que vieram antes. Existe uma história – um antes. E a nossa história vem intergeracionalmente dessa história. Desde o nascimento – um depois, cada ser humano (o seu psiquismo) é moldado pela qualidade das relações que o sustentam, isto é o modo como é olhado, tocado e escutado. Podemos resistir à fome e sobreviver, mas não podemos viver sem ser nutridos pelo afeto. Sem ele, morremos. E, é aqui, neste princípio que nasce a nossa saúde mental encontra raízes: na possibilidade de sermos reconhecidos como inteiros, mesmo na fragilidade; na experiência de sermos acolhidos nos choros, nos medos e nas primeiras tentativas de existir: o nosso lugar no mundo.


Contudo, quando isto não acontece — quando crescemos em vínculos inseguros, onde a presença é incerta e a (in)disponibilidade emocional fica à espreita — emergem fissuras internas na integração psíquica. São marcas de ausências que não puderam ser ditas nem nomeadas, dores sem nome que se inscrevem silenciosamente na mente e no corpo, guardadas nas memórias implícitas que persistem para além da consciência. Porque, para além do princípio da realidade, todos precisamos de um princípio interno de coesão — com a possibilidade de permanecer inteiros para integrar as falhas, vazios e sofrimentos, como parte da experiência de ser.



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A mente pode adoecer? Sim. A mente adoece nos pontos em que a experiência não encontra tradução e na ausência de um outro suficientemente (bom) e presente que contenha e dê testemunho da dor. O que não pode ser simbolizado permanece como experiência(s) traumática(s) não nomeada(s), inscrita(s) numa dor sem representação, manifestando-se tanto ao nível mental como somático.


Falar de saúde mental é também falar da sociedade em que vivemos. Habitamos um tempo que exalta a velocidade, a produtividade e a perfeição, mas que tantas vezes recusa a vulnerabilidade. Neste mundo acelerado, sentir-se frágil, ansioso ou exausto é facilmente confundido com falha, quando, na verdade, é simplesmente humano. Por isso, a saúde mental não pode ser entendida apenas como uma responsabilidade individual: é também um compromisso coletivo. Exige que construamos comunidades que reconheçam a dor, que legitimem a vulnerabilidade e que ofereçam tempo, escuta e presença, embora não estejamos preparados para acolher e reconhecer estes gestos ética e politicamente.


Assim sendo, a saúde mental não deve assim ser entendida como um estado estático, mas como um processo dinâmico de regulação interna e relacional, potenciador do movimento psíquico que nos é inerente enquanto humanos. É a forma como nos encontramos com o nosso próprio enigma, com aquilo que em nós não se compreende inteiramente, mas insiste em existir. Implica a capacidade de reconhecer experiências dolorosas – de sombra – sem nos desorganizarmos perante elas, de simbolizar o que é vivido e de integrar aspetos fragmentados da experiência. A dor faz parte da condição humana, mas ganha sentido e torna-se suportável quando pode ser partilhada e contida numa relação com o outro. E, aquando nos perdemos no que é insuportável na insustentável leveza disto que é ser humano, aceitar que isto faz parte e temos a capacidade de transformar.



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Na vida, como na clínica, nada permanece imutável. É aqui, que a psicoterapia nos mostra e ensina que o sofrimento psíquico não tem que ser um mergulho solitário na escuridão do mundo interno, mas que se pode tornar um processo relacional. Através da presença de um outro que se torna significativo, começamos a pensar, a elaborar, a reparar e a transformar aquilo que antes era indizível e invisível, trazendo do implícito ao explícito. Sem desamparo.


No encontro entre o eu e o outro, o espaço-tempo da sessão torna-se a possibilidade de uma Nova Relação. Uma relação que não se expressa apenas pela palavra, mas também pelo corpo. Não é apenas um lugar de transformação, mas de criação. Um lugar onde a dor encontra linguagem, e onde a repetição abre caminho a novas possibilidades. Onde o que não tinha voz passa a ser nomeado, e onde a transformação interna revela o potencial do que somos, permitindo-nos (re)encontrar a nossa essência.



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Cuidar da saúde mental é, em última instância, desenvolver a capacidade de estar consigo próprio sem recorrer à fuga ou à negação. É dar um lugar ao indizível — um espaço onde até aquilo que mais nos assusta possa ser habitado –, e assim compreendido. Implica reconhecer a imperfeição como dimensão inerente à condição humana e encontrar, na relação com o outro, a possibilidade de reparação, de reinício e de transformação da experiência psíquica. Não há saúde mental sem simbolização, sem vínculo, sem espaço de expressão emocional e sem a dimensão da humanidade partilhada.



Na PSIKIKA, o espaço de ser transforma-se num espaço de re-viver experiências, com um outro que está inteiramente disponível para resinificar o passado, dar abertura ao presente através do encontro com novas formas de elaboração, permitindo assim abrir caminhos para viver no presente e no espaço-tempo do futuro.


Dia 10 de Outubro. Dia Mundial da Saúde Mental.



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