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Quando uma relação de amor termina - a instustentável leveza de e do ser.

  • Foto do escritor: Psikika
    Psikika
  • há 12 minutos
  • 6 min de leitura

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Quando alguém que amamos deixa de estar connosco, não vivemos isso como uma simples mudança no quotidiano. Muitas vezes, o que se perde não é apenas a presença da pessoa, mas a própria configuração interna que construímos a partir da relação. A dor não nasce apenas da ausência externa; nasce do impacto psíquico da ruptura, da desorganização subtil que acontece quando um vínculo significativo se desfaz ou se transforma. O amor, quando se torna eixo, reorganiza o mundo dentro de nós. E quando esse eixo desaparece, ficamos temporariamente sem orientação.


Há quem descreva este momento como uma espécie de morte íntima. Não é exagero: a psique lida com a perda afectiva como uma pequena implosão, um colapso interno que revela partes nossas que não conseguimos sustentar sozinhos. O que dói não é apenas a pessoa — é o que essa pessoa representou na economia emocional, nas fantasias inconscientes, nas zonas da nossa história onde ainda procuramos amparo. A verdade é que, quando alguém toca numa ferida ou numa necessidade profunda, cria-se um vínculo de tal intensidade que, mais tarde, o afastamento reabre espaços psíquicos que já estavam fragilizados antes da relação existir.


É por isso que tantas pessoas sentem que “não consegue avançar”. É um equívoco comum acreditar que a dificuldade se deve ao amor. Na maior parte dos casos, o obstáculo está noutro lugar: no padrão de ligação que foi activado. Não estamos a tentar recuperar uma pessoa - estamos a tentar recuperar a versão de nós que acreditámos ter encontrado naquela relação. É essa parte idealizada, aliviada, temporariamente resgatada, que se torna difícil de deixar.


O apego, quando se instala na ferida, cria um vínculo que não é apenas relacional - é identitário. Jung falava precisamente desta fusão: o momento em que aquilo que sentimos se confunde com aquilo que somos. Acontece quando uma pessoa ocupa um espaço emocional que antes estava vazio, ou desorganizado, ou marcado por experiências antigas de perda. Quando alguém nos olha de um modo que nunca fomos olhados, quando nos escuta com uma qualidade que nunca recebemos, ou quando nos sentimos, pela primeira vez, suficientes sem esforço, formamos um investimento psíquico que parece vital. Não porque seja amor, mas porque simboliza uma evasão temporária da nossa própria dor.



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É nesse momento que o vínculo se torna necessário — não no sentido saudável, mas como quem encontra uma "tábua" no meio de um naufrágio. E, a verdade é que ninguém deixa ir uma tábua enquanto está a aprender a nadar. É por isso que o afastamento ou a ruptura dói tanto: não porque aquela pessoa em particular seja insubstituível, mas porque aquela parte no meio do naufrágio, simbólica, sustentava uma parte da nossa história afectiva que ainda não tinha sido integrada.


Há sempre um instante inaugural, quase invisível, que marca o início deste processo. Um pequeno gesto, uma frase, uma forma de estar com o outro que faz o corpo relaxar e pensar: “Aqui posso ser inteiro.” Esse descanso emocional, essa suspensão da vigilância interior, é profundamente sedutor para uma psique habituada à falta, ao esforço, à adaptação, à contorção para ser aceite. Depois desse momento, não é o outro que se torna indispensável — é a sensação que ele permitiu que emergisse.


O problema é que, quando o vínculo se fragiliza ou se rompe, essa sensação não desaparece de forma neutra. Ela desorganiza-se, fragmenta-se, e regressa como dor. A psique tenta então recuperar aquela sensação inicial, repetindo o padrão de ligação, insistindo na relação, entrando num círculo repetitivo que tende a prolongar o sofrimento. Não procuramos o outro — procuramos, sem sabermos, a parte de nós que essa pessoa acendeu. É por isso que muitos descrevem a sensação de “estar preso a alguém”. Mas não se trata de estar preso ao outro: trata-se de estar preso ao próprio investimento psíquico que ainda não conseguimos descontinuar.


É aqui que entra a dinâmica de dependência. Quando alguém activa uma ferida antiga — abandono, rejeição, volatilidade afectiva — é comum a psique tentar obter da mesma fonte a reparação que não encontrou antes. Há uma ilusão inconsciente que sussurra: “Se desta vez resultar, talvez a ferida antiga se cure.” É um movimento regressivo, mas profundo, porque o inconsciente não procura serenidade: procura conclusão. E tenta concluí-la através de vínculos que simbolizam aquilo que não se teve no passado.



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Este mecanismo é subtil e poderoso. Por isso, quando o outro se afasta, não desinvestimos imediatamente. Pelo contrário: intensificamos o investimento psíquico. Fantasiamos regressos, justificamos omissões, reinterpretamos gestos, procuramos sinais mínimos para manter viva a esperança de que “a história pode voltar”. Entramos, sem dar por isso, num ciclo de manutenção da dor, onde cada recordação, cada diálogo imaginado, cada tentativa de explicar o comportamento do outro serve, na realidade, para impedir o processo de desinvestimento emocional.


A psique não suporta bem o vazio. E, quando o vínculo se quebra, há um vazio psíquico que emerge com força. É esse vazio que leva muitas pessoas a revisitar conversas antigas, a imaginar cenários alternativos, a racionalizar ausências, a projectar um futuro hipotético. Tudo isto não é amor — é defesa psíquica. É tentativa de evitar o confronto com o espaço interno que ficou exposto.


Quando falamos em “abrir espaço psíquico”, falamos precisamente de deixar surgir esse lugar interno sem o preencher imediatamente com fantasia, esperança ou expectativa. O espaço psíquico é o lugar onde o desinvestimento emocional acontece — não por rejeição do outro, mas por reconhecimento das próprias necessidades. É o lugar onde a dor encontra nome, onde a perda encontra forma, onde o eu regressa a si após ter vivido demasiado tempo centrado na existência de um outro.



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Desinvestir emocionalmente não é cortar contacto, não é fingir indiferença, não é bloquear ou afastar-se fisicamente. Esses actos exteriores podem até ser úteis, mas só funcionam quando correspondem a um movimento interno real. Desinvestir significa retirar a carga afectiva que sustentava o vínculo, deixar que a relação deixe de ser eixo organizador da vida psíquica, permitir que os pensamentos deixem de orbitar em torno da mesma figura. Significa, sobretudo, desmontar a crença inconsciente de que o teu valor depende de ser escolhido por alguém.


O desinvestimento é um processo, não um gesto. É lento, gradual, quase sempre desconfortável. Não é raro que comece pela tomada de consciência de que o outro não tem a capacidade afectiva de que precisávamos. De que não nos pode dar um encerramento. De que não pode reparar uma ferida que já existia antes dele. De que aquilo que projectámos era fantasia, não realidade. E de que insistir numa relação que já não responde às nossas necessidades não é lealdade — é autoabandono.


Quando a desvinculação começa, algo dentro de nós reorganiza-se. A dor deixa de ser dilacerante e torna-se observável; o vazio deixa de ser ameaça e torna-se espaço; a necessidade transforma-se em escolha. A psique, pela primeira vez, pode respirar sem se agarrar ao vínculo. É como se, finalmente, aparecesse espaço para o eu voltar a emergir.


É aqui que surge o verdadeiro movimento de reencontro. Não com a versão antiga de ti, não com a parte que se adaptou à relação, mas com partes internas que estavam adormecidas, encolhidas ou silenciadas enquanto o investimento psíquico estava concentrado no outro. O regresso ao eu é sempre mais silencioso do que a dor, mas é nessa dimensão mais calma que acontece o renascimento subjectivo.



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Jung dizia que a transformação acontece quando deixamos de nos identificar com aquilo que nos fere. E isso é visível neste processo. Quando deixas de te identificar com o papel que ocupavas naquela relação, deixas também de viver a partir da ferida. A tua atenção regressa ao teu próprio mundo interno, o teu corpo desacelera, os teus pensamentos ganham amplitude. A vida deixa de girar em torno de um vínculo impossível e passa a girar em torno de possibilidades reais.


Não se trata de expulsar o outro da tua história. Trata-se de abrir espaço psíquico para que tu possas existir para além do vínculo. O amor que sentiste — e que talvez ainda sintas — não desaparece porque desinvestes. Simplesmente muda de lugar. Deixa de ocupar o centro da tua vida afectiva e passa a ser uma parte da tua biografia emocional. Uma parte importante, sem dúvida, mas não uma prisão.


No final, a perda não te tira nada que já fosse verdadeiramente teu. O que desaparece é a fantasia, não a tua capacidade de amar. O que se desmorona é a imagem idealizada, não o teu valor. O que termina é a repetição de um padrão de ligação que já não te serve.


Desinvestir não significa desistir do amor — significa deixar de insistir num vínculo que te retira vida psíquica. Significa reconhecer que o amor não é suficiente quando se torna um modo de sobrevivência afectiva. Significa libertar espaço interno para vínculos que te possam encontrar num lugar onde já não estás a pedir para ser salvo, mas a pedir para ser encontrado.


Quando alguém que amamos parte, não é apenas o vínculo que termina. É um convite — doloroso, sim, mas inevitável — para regressarmos às partes de nós que deixámos para trás enquanto tentávamos manter a relação. No final, não estás a perder alguém: estás a reencontrar-te. E é esse reencontro, íntimo e silencioso, que marca verdadeiramente o fim do ciclo e o início de uma forma de viver mais inteira.

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