Os conflitos com a faca e o garfo - Perturbações do Comportamento Alimentar
- Psikika

- 11 de mai. de 2024
- 3 min de leitura
O comportamento alimentar é uma temática complexa e cuja definição não é linear, uma
vez que diz respeito às formas de convívio com o alimento, indo além das necessidades básicas, comuns e indispensáveis ao desenvolvimento. Trata-se de um ato social assimilado nas relações sociais estabelecidas e sensações geradas pelos sentidos, tendo influência do meio sociocultural.
No decorrer da adolescência tendem a surgir um maior número de condutas alimentares inadequadas, sendo que perturbações como as hiperfagias familiares têm influência do contexto familiar do jovem. Estas condutas e comportamentos alimentares disfuncionais podem dar origem a perturbações com características clínicas díspares ao nível da perceção, cognição, emocional e do comportamento, como a distorção da imagem corporal, medo intenso de engordar, preocupação com comida e alimentação restritiva, compulsiva e comportamentos compensatórios e purgativos.
As perturbações do comportamento alimentar podem ser influenciadas por fatores precipitantes, de predisposição, de manutenção e fatores protetores, tanto pessoais como contextuais, destacando-se a percepção de rejeição dos pares, padrões rígidos de interação familiar, modelos internos dinâmicos inseguros, a dependência versus autonomia, baixa autoestima e autoeficácia, elevadas expectativas e criticismo parental.
Indivíduos com distúrbios alimentares são mais propensos a terem vivido num ambiente familiar crítico, onde exista menor qualidade da vinculação, menos comunicação e cuidado parental. As expectativas parentais sentidas neste meio familiar associam-se ainda a um maior risco de desenvolver estes comportamentos alimentares disfuncionais.
Contrariamente às ideias do senso comum, nem todos os problemas do comportamento alimentar dizem respeito à Anorexia e Bulimia, podendo observar-se a ingestão alimentar compulsiva, que pode advir de um descontrolo da compulsão alimentar. Este descontrolo pode ter origem no conflito entre o desejo do jovem manter-se uma criança dependente e o respetivo medo da maturidade e a vontade de fugir do controlo parental e da falta de privacidade e autonomia.
Os transtornos alimentares, nomeadamente o transtorno de compulsão alimentar tem-se vindo a demonstrar estar relacionado a uma insegurança na relação precoce, isto é, uma vinculação insegura com os cuidadores. A teoria psicanalítica fundamenta-se nos trabalhos de Bruch, para reconhecer que indivíduos com comportamentos alimentares inadequados são descritos como crianças que não conseguiram adquirir a capacidade de “interpretar os estados fisiológicos internos relacionados com as suas necessidades e desenvolver uma noção coerente do self separada dos seus cuidadores”.
Segundo a perspetiva psicanalítica, esta incapacidade pode derivar de uma mãe ansiosa e da adoção de um estilo parental caracterizado pela primazia das necessidades de controlo e obediência sob a autoexpressão e autonomia. Pode ainda advir de uma postura fria por parte de uma mãe com pouca disposição à rêverie, durante a infância e, posteriormente, adolescência.
A referida indisponibilidade da mãe reflete-se na ulterior obsessão, por parte do adolescente, pela comida, que surge como uma tentativa de enfrentar o conflito primário de obtenção de autonomia e de um self coeso. Assim, o tamanho do corpo assume-se como símbolo do self, sobre o qual o adolescente tenta ter controlo, como forma de alcançar alguma coesão e autonomia.
Relacionamentos precoces descritos como difíceis, intrusivos, extremamente protetores e controladores, tendo escassas ocasiões para o jovem se expressar levam à criação de um "falso eu"; como forma do adolescente se defender contra a intrusão dos pais e estão, muitas vezes, na origem de distúrbios alimentares.
Ademais, uma relação mãe-filho intrusiva pode, ainda, resultar na dificuldade da criança em reconhecer necessidades básicas, podendo caracterizar-se a anorexia, por exemplo, como um estilo de comunicar, protestar e tentar alcançar alguma autonomia, ainda que de forma dissimulada. Sujeitos com distúrbios alimentares parecem manifestar uma falha na integridade do processo de separação-individuação, que se demonstra particularmente complexa no decorrer da adolescência.
Neste sentido, a fome emocional é compreendida como "uma defesa contra o sentimento de não ter uma personalidade central própria, de ser impotente e ineficaz", uma vez que a criança deixa de ser capaz de distinguir as sensações de fome e satisfação.
Saudações Psikikas.
C.T.







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