Ao longo do vida , o indivíduo enfrenta momentos e situações adversas que podem acarretar sentimentos e experiências traumáticas com impacto no seu bem-estar físico e psicológico, nomeadamente emocional, que limitam a capacidade do mesmo em gerir situações do quotidiano com base nos mesmos. Assim, seria imprescindível a compreensão do conceito de trauma, bem como as causas que o podem originar.
Segundo o DSM-V o Trauma caracteriza-se pela exposição a eventos como a morte ou ameaça da mesma, ferimentos graves ou violência sexual. Pode incluir a experiência direta do trauma, testemunhar o trauma ou aprender sobre o mesmo quando vivenciado por um familiar ou amigo próximo. Pode exibir diferentes características, englobando diferentes tipos de perturbação associada, nomeadamente Afeto Reativo, Interação Social Desinibida, Stress Pós-Tramático, Stress Agudo e de Adaptação, podendo ainda verificar-se a existência de um trauma não especificado em nenhuma das categorias anteriormente referidas.
A literatura aponta para a existência de duas situações traumáticas evento traumático, que se refere a ocorrência de um evento limitado no tempo e espaço; processo traumático que se caracteriza pela continuidade de exposição a um evento stressor como é o caso de situações de guerra, abuso emocional, físico ou sexual.
Considerando o impacto na vida do sujeito e a evidência na literatura sobre a sua manifestação em idade precoce, seria interessante compreender os sintomas durante este período do desenvolvimento. Os investigadores referem que, no caso de evento traumático a criança tende a manifestar sintomas semelhantes aos referidos na Perturbação de Stress pós-Traumático como medos específicos, comportamentos repetitivos e regressivos, reações a perda e luto, alterações ao nível da cognição e percepção, alterações desenvolvimentais, modificação de atitudes sobre o próprio, o outro e sobre o seu futuro, bem como reviver componentes percetivas, afetivas e somáticas da experiência traumática.
No que se refere ao processo traumático, os autores apontam que a criança tende a desenvolver sintomas emocionais e comportamentais associados a stress crónico e a vivenciar um enviesamento provocado pela experiência traumática na sua personalidade. Algumas das características observadas dizem respeito a perturbações de traços de personalidade, dissociação, desenvolvimento de perturbações mentais associadas ao trauma que englobam padrões de problemas emocionais e comportamentais, tanto internalizantes como externalizantes.
Ainda neste sentido a investigação refere a importância de considerar o estágio de desenvolvimento em que a criança se encontra no momento do trauma, uma vez que a sua maturidade fisica, psicológica e emocional assume-se também como um fator importante na exibição de sintomas, na compreensão do trauma e no delineamento de uma intervenção adequada.
Assim crianças em idade pré-escolar revelam menor capacidade cognitiva para compreender a natureza e significado da experiência traumática, demonstrando-se tipicamente mais desorganizadas e agitadas, exibem medos generalizados, ansiedade de separação, agressividade e comportamento disruptivo, somatização, podendo ainda verificar-se regressão na capacidade de controlo dos esfíncteres. Neste período do desenvolvimento, as crianças tendem a reproduzir os comportamentos, atitudes e estados emocionais exibidos pelas figuras parentais, assim, contando que os pais consigam acolher a criança de modo adequado, esta sentir-se-a segura e desenvolverá capacidade para expressar o trauma. Os investigadores salientam ainda que é comum, nestas idades a criança exibir reconstituições do trauma nas brincadeiras, desenhos e histórias que partilha.
Relativamente a crianças em idade escolar, pela sua capacidade de compreensão da natureza da situação traumática, tendem a responder de outras formas, sendo a sintomatologia apresentada caracterizada por perturbações do sono e do apetite, problemas comportamentais e acadêmicos, depressão, ansiedade e somatização. Verificando-se, deste modo, perturbações a nível comportamental, social, cognitivo e físico com impacto significativo na vida da criança.
No que se refere aos adolescentes, os investigadores referem que as respostas exibidas são semelhantes ás dos adultos, contudo são influenciadas pelo momento de desenvolvimento (aproximação de maior autonomia, liberdade), manifestando essencialmente medo de um futuro limitado e um sentimento de fragilidade e vulnerabilidade biológica.
Neste seguimento e considerando diversos estudos, foi possível compreender adicionalmente, que a exposição a eventos traumáticos durante a infância pode afetar o desenvolvimento e maturação do sistema nervoso central e do sistema neuroendócrino, diminuindo as capacidades do indivíduo agir perante situações de vida diária. Assim, a experiência de trauma associa-se a menor capacidade de utilizar recursos físicos, psicológicos e emocionais, bem como desenvolver uma leitura apropriada de diversas situações sociais e acontecimentos.
Do ponto de vista da intervenção, torna-se imprescindível o apoio psicoterapêutico, como forma de ajudar o indivíduo a gerir as dificuldades vivenciadas no dia-a-dia, bem como a aquisição de ferramentas imprescindíveis para o seu bem- estar. O apoio psicológico é aconselhado a todas as faixas etárias, sendo evidenciados pelos autores, efeitos significativos com recurso a diferentes abordagens. É possível encontrar informação relativa a programas de intervenção focados no trauma, com técnicas de terapia cognitivo comportamental, bem como outras metodologias com base na abordagem psicanalítica relacional e sistémica, com uma compreensão mais aprofundada do problema e evento traumático, sendo estas últimas intervenções de maior duração, contudo são as que revelam resultados mais eficazes a longo prazo.
Um até já, Psikiko.
BB.
Referências Bibliográficas:
De Bellis, M. D., & Zisk, A. (2014). The biological effects of childhood trauma. Child and Adolescent Psychiatric Clinics, 23(2), 185-222.
Powell, B. J., Patel, S. V., Haley, A. D., Haines, E. R., Knocke, K. E., Chandler, S., ... & Aarons, G. A. (2020). Determinants of implementing evidence-based trauma-focused interventions for children and youth: A systematic review. Administration and Policy in Mental Health and Mental Health Services Research, 47, 705-719.
Shaw, J. A. (2000). Children, adolescents and trauma. Psychiatric Quarterly, 71, 227-243.
Comments