De acordo com Bronfenbrenner, o desenvolvimento do ser humano apresenta quatro grandes componentes: a pessoa, processos, o temperamento e o tempo (Linhares & Enumo, 2020). A Teoria Bioecológica (Bronfenbrenner, 2011) defende ainda que o desenvolvimento humano ocorre em diferentes sistemas interrelacionados, são estes o microssistema (onde ocorrem as relações proximais realizadas cara a cara); o mesossistema (envolve as interrelações entre dois ou mais contextos nos quais a criança/jovem participa de forma ativa); o exosssistema (a criança/jovem pode não ter relação direta com um determinado contexto, contudo eventos que ocorram nesse ambiente podem afetar indiretamente o seu ambiente); o macrossistema (engloba todos os outros contextos ambientais, estabelecendo interconexões complexas); e o cronossistema (refere-se ao momento de vida no qual a criança/jovem se encontra em relação às situações que está a vivenciar). Segundo o mesmo autor, eventos históricos podem alterar de forma positiva ou negativa o curso do desenvolvimento humano, tanto a nível individual como populacional.
Os efeitos nefastos que a pandemia COVID-19 teve nas vivências típicas de indivíduos de diferentes faixas etária, para além de claros, dificilmente poderão ser totalmente contabilizados. Sabemos que, durante meses, todos experienciamos a redução do contacto presencial à nossa família nuclear ou a indivíduos com os quais partilhássemos casa. Apesar da existência de formas alternativas (i.e., remotas) de entrar em contacto com outros, o tipo de atividades que poderia com elas ser desenvolvidas eram por si só, também limitados. Concomitantemente, as autoridades de saúde pública reforçavam a necessidade de evitar contágios, através de medidas que, apesar de necessárias, restringiam nos ainda mais o normal funcionamento das relações pessoais.
Para Bronfenbrenner (2011), o contexto familiar consiste no primeiro microssistema no qual se constroem as interações proximais significativas entre os cuidadores principais e as crianças/jovens em desenvolvimento. Contudo, é possível observar que, em determinados ambientes familiares, estão presentes múltiplos fatores de risco que ameaçam o desenvolvimento saudável e adaptativo das crianças e jovens, nomeadamente: a violência, a negligência e conflitos, baixa escolaridade dos pais, práticas parentais com disciplina abusiva e coercitiva, falta de estimulação adequada ao nível de desenvolvimento das crianças, desnutrição, desemprego, instabilidade financeira, entre outros. Nesse sentido, esses ambientes familiares em condições adversas mediados por fatores de risco são considerados “micro contextos caóticos” (Linhares & Enumo, 2020).
A imposição de um distanciamento social, que levou à restrição dos contactos a um contexto doméstico, trouxe novos e grandes desafios para as famílias, tais como: ausência da rotina de ir a escolas, convivência próxima por longos períodos de tempo com os mesmos, teletrabalho dos pais, telescola, estudo e brincadeiras limitados, sobrecarga de trabalho doméstico, instabilidade no emprego, desemprego, problemas financeiros, entre outros. Paralelamente, devido ao distanciamento social, as crianças reduziram as suas idas às escolas (segundo microssistema fundamental para o desenvolvimento e aprendizagem). Além das grandes perdas do processo de aprendizagem formal, as crianças foram/continuam privadas da necessária socialização com os pares. É nestas pequenas interações que ocorrem progressos significativos para o desenvolvimento humano, tais como: experiências lúdicas compartilhadas, que implica em interações proximais presenciais, cooperação, confronto com desafios; negociação de conflitos, adiamento de gratificações, espera pela sua vez, entre outras outros (Linhares & Enumo, 2020).
Estando todos nós, neste momento, a começar a ver a luz ao fundo do túnel, depois de dois anos de privações cautelosas, resta-nos ponderar sobre como tais medidas poderão ter afetado as camadas mais jovens da nossa sociedade. Invariavelmente, estas ruturas no tecido social terão inibido o normal desenvolvimento de muitas crianças e jovens, podendo até dificultar a realização de certas tarefas típicas de cada fase de desenvolvimento.
Referências:
Bronfenbrenner, U. (2011). Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed
Linhares, M. B. M., & Enumo, S. R. F. (2020). Reflexões baseadas na Psicologia sobre efeitos da pandemia COVID-19 no desenvolvimento infantil. Estudos de Psicologia (Campinas), 37.
Saudações Psikikas
J.P.D.
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